Produzir alface ao ar livre no Brasil pode se tornar cada vez mais difícil nas próximas décadas. Isso é o que revelam mapas de risco climático elaborados por pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF), com base em projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e em modelos utilizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Os dados indicam que, até o fim do século, praticamente todo o território brasileiro enfrentará risco alto ou muito alto para a produção da folhosa mais consumida pelos brasileiros.
A pesquisa considerou dois cenários climáticos: um otimista, com controle parcial das emissões de gases de efeito estufa, e outro pessimista, em que as emissões continuam crescendo até 2100. Em ambos, as perspectivas não são animadoras para o cultivo tradicional da hortaliça. O verão é a estação mais crítica, com temperaturas que podem ultrapassar os 40°C em boa parte do País — patamar bem acima do ideal para o desenvolvimento da alface, que exige clima ameno e umidade equilibrada.
“Compreender como as mudanças climáticas podem afetar a produção de alface, em um país tropical como o Brasil, é essencial para desenhar estratégias de adaptação. Isso permite antecipar impactos e evitar prejuízos”, explica o engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador em Mudanças Climáticas Globais da Embrapa.
Diante disso, as duas principais frentes de atuação da pesquisa têm sido o desenvolvimento de cultivares de alface com maior tolerância ao calor e de sistemas de produção para garantir a sustentabilidade do cultivo diante de condições climáticas adversas. Entre os exemplos estão os sistemas regenerativos, que restauram a fertilidade do solo e a biodiversidade - como o sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH) e o cultivo orgânico com compostagem e uso de bioinsumos; e os sistemas adaptados ao clima, que utilizam tecnologias e estratégias para evitar perdas por estresses climáticos - como o cultivo em ambientes protegidos ou controlados e o zoneamento agroclimático.
Projeções até 2100: cenário de alerta
Os mapas de risco climático foram construídos a partir da base de dados ‘Projeções Climáticas’, do Inpe, com resolução espacial de 20 km². O modelo dinâmico ETA, já validado para o Brasil e América Latina, foi utilizado para projetar o comportamento da temperatura (mínima, média e máxima) em diferentes estações do ano.
Para simular cenários futuros, os pesquisadores utilizaram os Caminhos de Concentração Representativos (RCPs, na sigla em inglês), criados pelo IPCC. O cenário otimista adotado foi o RCP 4.5, com aumento de temperatura global entre 2°C e 3°C até 2100. Já o cenário pessimista foi o RCP 8.5, com elevação de até 4,3°C e emissões de gases de efeito estufa em crescimento contínuo.
“Os mapas evidenciam a urgência de pensarmos em sistemas produtivos adaptados ao clima, especialmente para hortaliças, que são mais sensíveis do que as grandes culturas como milho ou soja”, destaca Pacheco.
A avaliação dos pesquisadores também considerou quatro intervalos de tempo para acompanhar a evolução da inviabilidade de plantar alface em campo aberto no País com o passar das décadas. Os períodos mapeados vão do momento atual até o fim do século, sendo divididos em: dias atuais até 2040, de 2041 a 2070, e de 2071 a 2100. Todos esses intervalos foram comparados com o período histórico que, no modelo utilizado, corresponde à era pós-industrial, de 1961 a 1990.
Considerando o fim deste século, a consulta aos mapas de temperatura máxima projetada mostra que no verão - a estação do ano mais desafiadora para o plantio da folhosa em campo aberto, em função do calor e das chuvas – o melhor cenário (RPC 4.5) indica que todas as regiões do Brasil apresentam risco climático alto, com exceção de uma área diminuta no Sul do País, com risco moderado indicado pela cor azul. No pior cenário projetado para o verão (RCP 8.5), o território brasileiro é todo tomado pela cor vermelha, como indicativo o risco climático muito alto, somente com a faixa litorânea pintada de amarelo para apontar o risco alto.
Os mapas gerados para a cultura da alface consideram as temperaturas (máxima, mínima e média) para cada cenário futuro, apontando em quais regiões o cultivo ficaria prejudicado e demandaria novas tecnologias para permanecer viável. “Os mapas tornam mais fácil a visualização do impacto da temperatura na cultura da alface e evidencia a urgência em se pensar não mais sobre mitigação, e sim sobre adaptação dos sistemas produtivos de hortaliças às mudanças do clima”, enfatiza Pacheco.
As próximas fases da pesquisa
Há carência de estudos sobre o impacto de cenários climáticos futuros para hortaliças, tanto no Brasil quanto no mundo. “Geralmente esse tipo de levantamento considera somente grandes culturas como milho e soja. Contudo, as hortaliças são espécies mais vulneráveis às altas temperaturas que os grãos”, pontua Pacheco.
Há também um predomínio de análises dos impactos do ponto de vista econômico e, para o pesquisador, as dificuldades impostas pela crise climática na produção de hortaliças dialogam muito com desafios acerca de segurança e soberania alimentar – em estreita relação com o conceito de Saúde Única (veja quadro no fim desta matéria).
Os mapas de risco climático são ativos cartográficos que integram um estudo de vanguarda sobre inteligência climática para subsidiar as pesquisas com hortaliças. Eles estão disponibilizados na Geoinfo, a plataforma de gestão da informação geoespacial na Embrapa. “É preciso olhar para esses mapas e seus dados como uma ferramenta estratégica para o delineamento de novas pesquisas em resposta à crise climática”, opina Pacheco.
Os próximos passos do mapeamento incluem o uso de uma base de dados com resolução espacial 20 vezes mais precisa – a WorldClim – e um conjunto de modelos usados no Sexto Relatório de Avaliação (AR6), o mais recente lançado pelo IPCC. Os novos mapas para a cultura da alface irão considerar como parâmetros os índices de precipitação e a necessidade hídrica da cultura em diferentes cenários futuros.
“A expectativa é expandir o mapeamento para outras espécies de hortaliças, como tomate, batata e cenoura, em função da importância socioeconômica e da sensibilidade desses cultivos ao clima”, adianta Pacheco, que também tem adotado o uso de inteligência artificial para automatizar o processo de geração dos mapas de risco climático a fim de obter maior escala e agilidade no desenvolvimento dos estudos.